Ponto de vista: Stephen Kanitz
Fazer o que se gosta
"Se você
não gosta de seu trabalho, tente fazê-lo bem feito. Seja o melhor em sua
área, destaque-se pela precisão"
A escolha de uma profissão é o primeiro
calvário de todo adolescente. Muitos tios, pais e orientadores vocacionais
acabam recomendando "fazer o que se gosta", um conselho confuso e
equivocado.
Empresas pagam a profissionais para fazer o que a comunidade acha
importante ser feito, não aquilo que os funcionários gostariam de fazer,
que normalmente é jogar futebol, ler um livro ou tomar chope na praia.
Seria um mundo perfeito se as coisas que
queremos fazer coincidissem exatamente com o que a sociedade acha
importante ser feito. Mas, aí, quem tiraria o lixo, algo necessário, mas
que ninguém quer fazer?
Muitos jovens sonham trabalhar no
terceiro setor porque é o que gostariam de fazer. Toda semana recebo jovens
que querem trabalhar em minha consultoria num projeto social. "Quero
ajudar os outros, não quero participar desse capitalismo selvagem."
Nesses casos, peço que deixem comigo os sapatos e as meias e voltem para
conversar em uma semana.
É uma arrogância intelectual que se
ensina nas universidades brasileiras e um insulto aos sapateiros e aos
trabalhadores dizer que eles não ajudam os outros. A maioria das pessoas
que ajudam os outros o faz de graça.
As coisas que realmente gosto de fazer,
como jogar tênis, velejar e organizar o Prêmio Bem Eficiente, eu faço de
graça. O "ócio criativo", o sonho brasileiro de receber um
salário para "fazer o que se gosta", somente é alcançado por
alguns professores felizardos de filosofia que podem ler o que gostam em
tempo integral.
O que seria de nós se ninguém produzisse
sapatos e meias, só porque alguns membros da sociedade só querem
"fazer o que gostam"? Pediatras e obstetras atendem às 2 da
manhã. Médicos e enfermeiras atendem aos sábados e domingos não porque
gostam, mas porque isso tem de ser feito.
Empresas, hospitais, entidades
beneficentes estão aí para fazer o que é preciso ser feito, aos sábados,
domingos e feriados. Eu respeito muito mais os altruístas que fazem aquilo
que tem de ser feito do que os egoístas que só querem "fazer o que
gostam".
Então teremos de trabalhar em algo que
odiamos, condenados a uma vida profissional chata e opressiva? Existe um
final feliz. A saída para esse dilema é aprender a gostar do que você faz.
E isso é mais fácil do que se pensa. Basta fazer seu trabalho com esmero,
bem feito. Curta o prazer da excelência, o prazer estético da qualidade e
da perfeição.
Aliás, isso não é um conselho
simplesmente profissional, é um conselho de vida. Se algo vale a pena ser
feito na vida, vale a pena ser bem feito. Viva com esse objetivo. Você
poderá não ficar rico, mas será feliz. Provavelmente, nada lhe faltará,
porque se paga melhor àqueles que fazem o trabalho bem feito do que àqueles
que fazem o mínimo necessário.
Se quiser procurar algo, descubra suas
habilidades naturais, que permitirão que realize seu trabalho com distinção
e o colocarão à frente dos demais. Muitos profissionais odeiam o que fazem
porque não se prepararam adequadamente, não estudaram o suficiente, não
sabem fazer aquilo que gostam, e aí odeiam o que fazem mal feito.
Sempre fui um perfeccionista. Fiz muitas
coisas chatas na vida, mas sempre fiz questão de fazê-las bem feitas. Sou
até criticado por isso, porque demoro demais, vivo brigando com quem é
incompetente, reescrevo estes artigos umas quarenta vezes para o desespero
de meus editores, sou superexigente comigo e com os outros.
Hoje, percebo que foi esse perfeccionismo
que me permitiu sobreviver à chatice da vida, que me fez gostar das coisas
chatas que tenho de fazer.
Se você não gosta de seu trabalho, tente
fazê-lo bem feito. Seja o melhor em sua área, destaque-se pela precisão.
Você será aplaudido, valorizado, procurado, e outras portas se abrirão.
Começará a ser até criativo, inventando coisa nova, e isso é um raro
prazer.
Faça seu trabalho mal feito e você odiará
o que faz, odiando a sua empresa, seu patrão, seus colegas, seu país e a si
mesmo.
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